A turma toda estava apreensiva. Era dia da prova de língua portuguesa e esta tinha tudo para ser pior que as outras. Era possível ver a tristeza estampada em cada rosto. Motivo: Desta vez seria uma redação e o tema... surpresa.
Na verdade Língua Portuguesa parecia muito fácil quando o professor Valmir apresentava as questões com aquelas frases feitas na aula, porém, na hora da avaliação as frases pareciam tiradas de um livro de filosofia ou física quântica.
_ Boa tarde! Disse o mestre, sorridente como sempre.
Sem mais delongas escreveu no quadro-verde: “REDAÇÃO - Tema: Ações bélicas”
_...
_...
Formou-se um silêncio. Todos baixaram a cabeça fitando o papel. Ainda de cabeça baixa olhei de lado pra ver se alguém fazia algum sinal de não estar entendendo nada, porém ninguém se manifestou. Esperava ver toda a classe se entreolhando e erguendo os ombros como quem pergunta “que raios é bélico?”. Nada.
Percebi que todos já escreviam e que esta dúvida era exclusivamente minha; talvez tivesse faltado à aula no dia que o pedagogo falou sobre “as coisas bélicas”.
Não era muito ruim de redação. Talvez não conhecesse a estrutura, o tal de começo, meio e fim, mas não me desesperava se era pra escrever sobre algo que eu tivesse o mínimo de conhecimento. Pois é... O mínimo de conhecimento. Decididamente bélico não se enquadrava nesse mínimo, e o pior é que a turma continuava escrevendo a todo vapor e não parecia encontrar dificuldades no tema.
Minha timidez, no entanto, não me permitia levantar a voz perante toda a sala de aula e eliminar a questão que surgiu.
_Não tem jeito _ pensei _ o melhor a fazer é partir pra etimologia.
Na verdade não é muito difícil entender a origem das palavras. Como diria a trupe Os melhores do mundo: “É só prestar um pouco de atenção” pois geralmente isto é muito intuitivo. Bélico, por exemplo, obviamente tem origem no adjetivo belo, logo, bélico nada mais é que qualidade do que é belo.
_ Heureca! Matei a charada.
Pus-me a escrever sobre o que veio à mente,
_ Que tema amplo! Crianças ajudando velhas senhoras a atravessar a rua... Um bom dia ao desconhecido que passa... Avisar sobre a carteira que acabou de cair do bolso daquele caixeiro da venda... Não pagar mal com mal, mas oferecer a outra face...
O fato é que já se passava uns cinco minutos e ia pra lá da vigésima linha quando alguém perguntou em apenas um lance:
_ Professor Valmir! O que é bélico?
Levantei um pouco os olhos para não me escapar a resposta caso ele respondesse baixo, assim, eu poderia tentar ler os seus lábios. A resposta veio em bom tom.
_ Bélico é aquilo relativo ou pertencente à guerra _ respondeu o mestrado que naquele momento parecia ter engolido o Aurélio.
_ Ah! _ disse o colega que fizera a pergunta, e se calou.
_...
Meio envergonhado, virei silenciosamente a página do caderno e escrevi outra vez o título enquanto buscava nas lembranças de filmes vespertinos novos argumentos para a dissertação.
O silêncio na classe continuou, mas aos poucos era quebrado por barulho de folhas de papel que eram dobradas, destacadas, amassadas e sorrateiramente postas nos bolsos.
Adolfo Lima, 07 de junho de 2008
Um comentário:
Dolfo...vc é incrivelmente I-N-C-R-Í-V-E-L!
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