sábado, 28 de junho de 2008

O velho e o trem


Seu Luis é um contador de histórias. Tem quase 90 anos(*) e muita coisa pra contar. Na última conversa que tivemos à mesa da cozinha da Marizita, enquanto tomávamos café ele contou o "causo" que descrevo abaixo:




Saía às quatros horas da manhã, a pé por dez quilômetros até Acarape para conseguir lugar sentado no trem que vinha de Crato com destino à Fortaleza. Era uma viagem cansativa e que somente neste percurso Acarape-Fortaleza, exigia disposição ao extremo. Era 1937. 

O trem era o principal meio de transporte e desenvolvimento que havia no Ceará. Uma ferrovia cortava o estado da capital ao Cariri. Como estava dizendo, a viagem era cansativa e chegar cedo à estação era quase sempre garantia de um banco pra sentar. Não era confortável, claro, mas sofria-se menos com os solavancos da estrada de ferro. Já estava acomodado no transporte quando um casal jovem, ela grávida, adentra ao veículo e postula um espaço pra sentar. O jovem se dirigiu a várias pessoas no vagão buscando acento para a esposa, que como disse, estava grávida, mas ninguém se mostrou cavalheiro o bastante para ajudar. Tratei de explicar as razões para não ceder o meu lugar: _ Cheguei cedo pra não viajar em pé. Se vocês querem viajar sentados deveriam fazer como eu, chegar cedo. De fato a viagem era uma via-crúcis. Um velho sentado próximo a mim ouvia tudo com atenção e certa indignação; Disse: _ É muito feio uma coisa destas! Tantos jovens, com saúde a esbanjar (ele me incluía) e sem um mínimo de educação suficiente para dar seu lugar a uma senhora grávida. _ e continuou _ Eu já estou velho, não aguentaria esta viagem em pé, por isto não dou meu lugar. O casal olhava para o velho e confirmava o que ele dizia, movimentando a cabeça afirmativamente. Foi aí que o velho sacou uma sugestão: _ Se a senhora quiser viajar sentada em minhas pernas, não faço objeção. O marido até concordou com a ideia, porém a jovem senhora balbuciou qualquer coisa ao marido e não aceitou a solução apresentada. 

A viagem começou e com isto o calvário de todos e principalmente de quem estava em pé. O trem balançava e vibrava com se quisesse misturar todos os passageiros transformando-nos em massa única. Não durou muito tempo e quando notei a senhora grávida já estava sentada nas pernas do velho. Parece que o balanço do trem também tinha o dom de fazer tomar decisões acertadas. Ri sozinho. O trem continuava o seu percurso, e com ele a tormenta, os balanços e solavancos. Eram muitas estações e de vez em quando a locomotiva parava, subia mais pessoas, partia novamente e assim a agonia durou por quase quatro horas quando finalmente chegamos à fortaleza. 

Os passageiros começaram a sair, ainda com as roupas avermelhadas da poeira da estrada que seria espanada quando descessem do trem. A senhora que veio sentada nas pernas do velho também se levantou mas sem sequer olhar para ele, e se dirigiu ao marido para desembarcar. O jovem marido vendo aquilo se perturbou. _ Amor, fale com o homem. Agradeça-o. Afinal ele te trouxe desde o Acarape. A mulher voltou-se para o velho que já estava de pé, deu uns três passos em sua direção e atento pude escutar quando ela lhe falou baixinho: _ O senhor não é tão velho assim!

 
Este é Seu Luis. O contador de histórias - Adolfo Lima - Junho 2008
* Idade quando contou a história - Seu Luis ou Tio Luis, como o chamávamos, faleceu em 2013, com os seus bem vividos 95 anos. 

domingo, 22 de junho de 2008

Facilita

imagem: http://estudioas.blogspot.com

Outra do Luiz Gonzaga. música no mínimo, simpática.

Comadre Joana sempre reclamou

Da minissaia que a filha tem

O namorado se invocou também.

E certo dia pra ela falou:

_Tua saia, Bastiana, termina muito cedo.
Tua blusa, Bastiana, começa muito tarde


Mas ela respondeu:

_ Oi, facilita...

Pra dançar o xenhenhém, oi, facilita

Pra peneirar o xerém, oi, facilita

Pra dançar na gafieira, oi, facilita

Pra mandar pra lavadeira, oi, facilita

Pra correr na capoeira, oi, facilita

Pra subir no caminhão, oi, facilita

Pra passar no ribeirão, oi, facilita


Composição: Luiz Ramalho

Eu vou pro Crato



imagem:www.sponholz.arq.br


Eu ouvia músicas, como sempre faço, quando escutei uma do Rei do baião que dá um conselho a quem visita um parente.
É bom prestar atenção ao que diz um mestre para não passar vergonha:



Eu vou pro Crato

"Ah! O Cratinho é doce! Cratinho é terra boa! Todo mundo quer ir pra lá.

É... mas ninguém quer ir pro hoté.
Todo mundo quer se arrumar na casa de um parente.

Um diz que vai pra casa do Alencar, outro diz que vai prá casa de um parente.
Outro diz que vai pra casa de seu Pedro.

É... mas eles num gosta muito disso não...


Só se fizerem com eu, ?


Eu, quando vou me hospedar na casa do parente, eu levo um saco de farinha, levo um bode seco, uma dúzia de abacaxi, um capãozinho, um saco de piqui, uma cachacinha boa...


Ah.ah! Faça como eu, viu?

O parente fica satisfeito, depois você pode dizer que o "Cratinho" é de açucar, pode passear, pode se divertir no Crato(Ce)...


Mas faça como eu. Ah, ah!"


Letra completa em: http://vagalume.uol.com.br/luiz-gonzaga/eu-vou-pro-crato.html

terça-feira, 10 de junho de 2008

Ações bélicas

A turma toda estava apreensiva. Era dia da prova de língua portuguesa e esta tinha tudo para ser pior que as outras. Era possível ver a tristeza estampada em cada rosto. Motivo: Desta vez seria uma redação e o tema... surpresa.

Na verdade Língua Portuguesa parecia muito fácil quando o professor Valmir apresentava as questões com aquelas frases feitas na aula, porém, na hora da avaliação as frases pareciam tiradas de um livro de filosofia ou física quântica.

_ Boa tarde! Disse o mestre, sorridente como sempre.

Sem mais delongas escreveu no quadro-verde: “REDAÇÃO - Tema: Ações bélicas”

_...

_...

Formou-se um silêncio. Todos baixaram a cabeça fitando o papel. Ainda de cabeça baixa olhei de lado pra ver se alguém fazia algum sinal de não estar entendendo nada, porém ninguém se manifestou. Esperava ver toda a classe se entreolhando e erguendo os ombros como quem pergunta “que raios é bélico?”. Nada.

Percebi que todos já escreviam e que esta dúvida era exclusivamente minha; talvez tivesse faltado à aula no dia que o pedagogo falou sobre “as coisas bélicas”.

Não era muito ruim de redação. Talvez não conhecesse a estrutura, o tal de começo, meio e fim, mas não me desesperava se era pra escrever sobre algo que eu tivesse o mínimo de conhecimento. Pois é... O mínimo de conhecimento. Decididamente bélico não se enquadrava nesse mínimo, e o pior é que a turma continuava escrevendo a todo vapor e não parecia encontrar dificuldades no tema.

Minha timidez, no entanto, não me permitia levantar a voz perante toda a sala de aula e eliminar a questão que surgiu.

_Não tem jeito _ pensei _ o melhor a fazer é partir pra etimologia.

Na verdade não é muito difícil entender a origem das palavras. Como diria a trupe Os melhores do mundo: “É só prestar um pouco de atenção” pois geralmente isto é muito intuitivo. Bélico, por exemplo, obviamente tem origem no adjetivo belo, logo, bélico nada mais é que qualidade do que é belo.

_ Heureca! Matei a charada.

Pus-me a escrever sobre o que veio à mente,

_ Que tema amplo! Crianças ajudando velhas senhoras a atravessar a rua... Um bom dia ao desconhecido que passa... Avisar sobre a carteira que acabou de cair do bolso daquele caixeiro da venda... Não pagar mal com mal, mas oferecer a outra face...

O fato é que já se passava uns cinco minutos e ia pra lá da vigésima linha quando alguém perguntou em apenas um lance:

_ Professor Valmir! O que é bélico?

Levantei um pouco os olhos para não me escapar a resposta caso ele respondesse baixo, assim, eu poderia tentar ler os seus lábios. A resposta veio em bom tom.

_ Bélico é aquilo relativo ou pertencente à guerra _ respondeu o mestrado que naquele momento parecia ter engolido o Aurélio.

_ Ah! _ disse o colega que fizera a pergunta, e se calou.

_...

Meio envergonhado, virei silenciosamente a página do caderno e escrevi outra vez o título enquanto buscava nas lembranças de filmes vespertinos novos argumentos para a dissertação.

O silêncio na classe continuou, mas aos poucos era quebrado por barulho de folhas de papel que eram dobradas, destacadas, amassadas e sorrateiramente postas nos bolsos.

Adolfo Lima, 07 de junho de 2008


Tirinha do Snoop

Tirinhas do Zero

Tiras do Garfield